domingo, 5 de fevereiro de 2012

Breve análise do "Menino Selvagem"

“Será preciso admitir que os homens não são homens fora do ambiente social, visto que aquilo que consideramos ser próprio deles, como o riso ou o sorriso, jamais ilumina o rosto das crianças isoladas.”


Lucien Malson "Les enfants Sauvages"

 O filme “L’Enfant Sauvage d’Averyon” (O Menino Selvagem de Averyon), de François Truffaut (realizador e actor - Dr. Itard), é baseado num caso verídico e relata a história de uma criança de onze ou doze anos que foi capturada num bosque por caçadores, tendo vivido afastado da sua espécie, por abandono dos pais. Esta criança despertou então grande interesse no médico Dr. Jean Itard, que pretendia estudar o processo de integração daquele menino que por tantos anos teria vivido como um selvagem.

Embora se pense que o menino selvagem tenha sido abandonado no bosque quando tinha quatro ou cinco anos, altura em que já deveria dispor de algumas ideias e palavras, em consequência do começo da sua educação, tudo isso se lhe apagou da memória devido a cerca de sete anos de isolamento. Quando foi capturado, andava como um quadrúpede, tinha hábitos anti-sociais, órgãos pouco flexíveis e a sensibilidade embotada, não falava, não se interessava por nada e a sua face não mostrava qualquer tipo de sensibilidade a ruídos bruscos que não conhecia, como o bater de uma porta. Toda a sua existência se resumia a uma vida puramente animal.


Assim, o seu isolamento passado condicionou a sua aprendizagem futura que, além do mais, deveria ter sido realizada durante a sua infância (época em que o seu cérebro apresentaria mais plasticidade, existindo uma facilidade de aprendizagem, socialização e interiorização dos comportamentos característicos da sua cultura). Deste modo, a criança misteriosa que tanto causava furor na sociedade civilizada, tinha não só tinha que lutar contra o seu passado, como contra a idade avançada para uma aprendizagem, muito provavelmente, sua desconhecida, sendo esta a razão porque, segundo Dr. Itard, “para ser julgado racionalmente, (o menino selvagem de Averyon) só pode ser comparado a ele próprio”.
Ainda assim com muito esforço, tanto por parte do menino selvagem como do Dr. Jean Itard, Victor (nome pelo qual foi baptizado) consegue por fim cumprir hábitos sociais, como comer com talheres, viver consoante regras e deveres, dar o devido uso à roupa… Aprendeu também a desenvolver afectividade, o que foi considerado um grande progresso. Tornou-se sensível às temperaturas extremas, espirrou pela primeira vez, chorou e até mesmo desenvolveu espírito de justiça (o que o tornou verdadeiramente um Homem). À medida que esta afectividade se foi desenvolvendo entre o menino e o Dr. Itard ou a Mme. Guérin (ama que cuidava da criança, por pela qual desenvolveu um grande afecto), a aprendizagem vai-se tornando mais fácil (note-se que os factores psicológicos são bastante influenciáveis). Por último, como já foi referido, os factores socioculturais também influenciam as nossas acções pois, ao estarmos inseridos numa sociedade, as nossas acções e comportamentos são influenciados por ela, como se verificou com a socialização do menino selvagem, que teve de se sujeitar a regras e a deveres morais.
Contudo, e apesar de todos os progressos, a linguagem foi algo que não conseguiu adquirir. Victor conseguiu pronunciar a palavra “lait” (leite) e até mesmo escrevê-la, mas não foi dada muita importância a esta aprendizagem uma vez que não era utilizada para mostrar uma necessidade, mas sim uma espécie de exercício preliminar, que precedia espontaneamente à satisfação dos seus apetites. Podemos então concluir deste clássico de grande sucesso em todo o mundo, que é necessário “admitir que os homens não são homens fora do ambiente social” (Lucien Malson) e que necessitam, mais do que os outros animais, da vivência junto da espécie.

O que é a psicologia